Artwork

Innhold levert av France Médias Monde and RFI Português. Alt podcastinnhold, inkludert episoder, grafikk og podcastbeskrivelser, lastes opp og leveres direkte av France Médias Monde and RFI Português eller deres podcastplattformpartner. Hvis du tror at noen bruker det opphavsrettsbeskyttede verket ditt uten din tillatelse, kan du følge prosessen skissert her https://no.player.fm/legal.
Player FM - Podcast-app
Gå frakoblet med Player FM -appen!

Ana Maria Cabral e as memórias de Amílcar Cabral [2/2]

9:37
 
Del
 

Manage episode 440123692 series 1155851
Innhold levert av France Médias Monde and RFI Português. Alt podcastinnhold, inkludert episoder, grafikk og podcastbeskrivelser, lastes opp og leveres direkte av France Médias Monde and RFI Português eller deres podcastplattformpartner. Hvis du tror at noen bruker det opphavsrettsbeskyttede verket ditt uten din tillatelse, kan du følge prosessen skissert her https://no.player.fm/legal.

Cabo Verde assinalou, no dia 12 de Setembro, o centenário do nascimento de Amílcar Cabral. Ana Maria Cabral, viúva de Amílcar Cabral, afirma não ter havido justiça quanto à morte do marido e defende ser necessário que as antigas potências assumam a responsabilidade pelos erros do passado.

RFI: Como é que era um ambiente em casa durante os momentos mais tensos da luta? Vocês falavam sobre os acontecimentos diários ou tentavam separar o lado político da vida familiar?

Ana Maria Cabral: Falávamos sobre tudo, com os nossos filhos tinha que ser uma linguagem mais adaptada para que eles entendessem. Eles tiveram uma grande experiência; por exemplo, a 22 Novembro de 1970, se a memória não me falha, os colonialistas resolveram atacar Conacri. Bombardearam a nossa casa e não morremos, eu e os meus filhos, por um acaso porque a casa foi mesmo atingida. Tínhamos uns vizinhos, uma família da ex-Jugoslávia, que um dos filhos apanhou com uma bomba que conseguiu separar-lhe a cabeça. Vinha a correr, a sair do quarto -assustou-se com o barulho - quis sair do quarto e ir para o quarto dos pais e a bomba apanhou-o porque a casa deles era igual à nossa.

Na altura, Sékou Touré era presidente da Guiné-Conacri e cedeu-nos um bairro que existia em Conacri que tinha sido feito pelos franceses, que se chamava bairro de La Minière porque o país tem muitos minerais, além da bauxita, tem ferro, tem cobre. Os franceses tinham construído aquele bairro que chamavam Minière. Quando os franceses saíram e se foram embora com a independência da Guiné-Conacri, o Sékou Touré deu ao PAIGC esse bairro.

Não foi nada fácil. Eu tinha o pressentimento que ele poderia desaparecer de um dia para o outro. Os colonialistas estavam tão desesperados que queriam à força apanhar o Cabral. Ele sofreu várias tentativas até que conseguiram a 20 de Janeiro de 1973. Eu tinha consciência disso e tive quase dois anos a tentar convencê-lo e ele não queria aceitar. Estava preocupada e tinha um pressentimento que não seria nada fácil.

Vivia preocupada com a questão da vossa segurança, da segurança, da família?

Vivia muito preocupada, embora estivesse completamente comprometida com o PAIGC, com a escola piloto, com a elaboração de livros. Vivia muito preocupada com a situação.

Como é que vê hoje o legado de Amílcar Cabral em Cabo Verde, aqui, na Guiné-Bissau, em África, 51 anos depois da morte de Amílcar Cabral?

Eu acho que em certos países há muito mais preocupação em seguir o legado de Cabral. Em certas universidades, a obra de Cabral foi traduzida para inglês, para o francês. O falecido Mário Andrade, intelectual angolano que era muito próximo do Cabral, começou a traduzir em francês, agora já está publicado em França e na África do Sul, em inglês, na América, na Europa, em vários países. A obra dele tem sido estudada, traduzida e discutida.

Nós temos um bocado de culpa porque fizemos muito pouco, depois das independências dos nossos país, para manter vivo o pensamento de Cabral, para o divulgar.

Em que sentido é que tem culpa?

No sentido de fazer maior divulgação da obra da Amílcar Cabral. Claro que se criou a Fundação Amílcar Cabral, em Santa Catarina e na Assomada há um liceu Amílcar Cabral. Fazem-se exposições com as obras de Cabral, quanto a mim é pouco.

Se Amílcar Cabral estivesse vivo hoje, o que é que ele diria aos jovens?

Eu penso que eu diria aos jovens que têm que estudar e aprender porque esta terra já não é uma colónia. É uma terra independente e há muito por se fazer.

Alguma história que queira partilhar connosco, que não seja conhecida nas narrativas históricas de Amílcar Cabral da vossa história.

Apesar de todas essas preocupações, ele dava muita atenção aos nossos filhos. Havia uma refeição que ele fazia questão de comermos todos juntos, em geral era o pequeno-almoço porque depois os meninos iam para a escola e eu para o meu trabalho. Por vezes, mandava-me chamar lá da escola, arranjavam um motorista ou ia mesmo buscar-me.

Ele levantava-se muito cedo e tomava um café, um sumo de laranja ou de toranja, havia muita toranja em Conacri, e um cafezinho preto, mas só comia por volta das dez horas. Era nessa altura que vinha buscar-me às aulas e eu ficava furiosa porque tinha de interromper a aula. Tinha de arranjar uma desculpa qualquer aos meninos e ir, porque sua excelência não queria comer sozinho ou queria companhia.

Queria partilhar inquietações?

Exactamente.

De conhecer o seu parecer relativamente a decisões importantes que teria que tomar...

Provavelmente era isso que queria. Gostava e tinha de perceber o meu trabalho, tinha de conhecer tudo sobre o meu trabalho: o que eu fazia lá na escola, tudo o que eu não fazia.

As grandes reuniões do partido eram lá nessa escola piloto. Ficava mais ou menos a cerca de três quilómetros de entre o secretariado do PAIGC, onde vivíamos e onde ficava a Escola Piloto.

Depois também aparecia assim de repente, na escola, logo de manhã cedo, às 10 horas porque a primeira aula que eles tinham era ginástica e ele incentivava os professores a dar atenção à ginástica, não só ao intelecto, mas também ao físico.

Se tivesse oportunidade de rever Amílcar Cabral e contar-lhe no que se transformou o mundo, o que é que lhe contaria?

Teria de aceitar e dizer-lhe que o mundo evoluiu. Temos um outro mundo, temos o mundo já quase sem colónias - que eu saiba que eu me recorde, assim de repente, não há grandes colónias, os países estão independentes.

Claro que há muita coisa ainda por fazer. Há guerras: a guerra ridícula, para mim, da Ucrânia, a guerra da Palestina com Israel, que é outra coisa mais ridícula. Não percebo por que motivo é que não se entendem porque podiam fazer se dois Estados o Estado de Israel, o Estado da Palestina. Porque é que ainda há tanta divisão? Por exemplo, o problema do Vietname ficou resolvido, o problema das colónias portuguesas ficou resolvido. Há pequenos conflitos, mas está muito melhor do que era antigamente.

Valeu a pena lutar?

Valeu a pena, embora com muito sacrifício. Muitos de nós estão com uma saúde completamente estragada e agora é que se estão a revelar os problemas de saúde.

Na casa dos estudantes do Império e das reuniões entre Agostinho Neto, Amílcar Cabral, Mário de Andrade, todos poetas. Consegue explicar essa ligação entre a política e a poesia?

O que é a poesia senão relatos da vida, da vida diária?

Sente que houve justiça em relação ao que aconteceu a Amílcar Cabral? Pede se uma investigação séria, transparente para conhecer as circunstâncias, para perceber realmente o verdadeiro papel dos aliados e inimigos internos e externos de Cabral. Sente hoje que houve justiça?

Não houve justiça nenhuma, mas há tempo alguém falava - creio que foi o Presidente Marcelo - que era preciso fazer uma reparação. Vários políticos foram contra isso. Ele tem uma certa razão. As antigas potências deveriam fazer uma espécie de reparação. Essa história de uma boa cooperação bilateral faz parte, mas é pouco ainda. Acho que é pouco.

E como é que se repara?

Essa, é a questão. Como é que se repara? Se nos sentarmos e pensarmos, analisarmos bem, havemos de encontrar uma maneira.

  continue reading

126 episoder

Artwork
iconDel
 
Manage episode 440123692 series 1155851
Innhold levert av France Médias Monde and RFI Português. Alt podcastinnhold, inkludert episoder, grafikk og podcastbeskrivelser, lastes opp og leveres direkte av France Médias Monde and RFI Português eller deres podcastplattformpartner. Hvis du tror at noen bruker det opphavsrettsbeskyttede verket ditt uten din tillatelse, kan du følge prosessen skissert her https://no.player.fm/legal.

Cabo Verde assinalou, no dia 12 de Setembro, o centenário do nascimento de Amílcar Cabral. Ana Maria Cabral, viúva de Amílcar Cabral, afirma não ter havido justiça quanto à morte do marido e defende ser necessário que as antigas potências assumam a responsabilidade pelos erros do passado.

RFI: Como é que era um ambiente em casa durante os momentos mais tensos da luta? Vocês falavam sobre os acontecimentos diários ou tentavam separar o lado político da vida familiar?

Ana Maria Cabral: Falávamos sobre tudo, com os nossos filhos tinha que ser uma linguagem mais adaptada para que eles entendessem. Eles tiveram uma grande experiência; por exemplo, a 22 Novembro de 1970, se a memória não me falha, os colonialistas resolveram atacar Conacri. Bombardearam a nossa casa e não morremos, eu e os meus filhos, por um acaso porque a casa foi mesmo atingida. Tínhamos uns vizinhos, uma família da ex-Jugoslávia, que um dos filhos apanhou com uma bomba que conseguiu separar-lhe a cabeça. Vinha a correr, a sair do quarto -assustou-se com o barulho - quis sair do quarto e ir para o quarto dos pais e a bomba apanhou-o porque a casa deles era igual à nossa.

Na altura, Sékou Touré era presidente da Guiné-Conacri e cedeu-nos um bairro que existia em Conacri que tinha sido feito pelos franceses, que se chamava bairro de La Minière porque o país tem muitos minerais, além da bauxita, tem ferro, tem cobre. Os franceses tinham construído aquele bairro que chamavam Minière. Quando os franceses saíram e se foram embora com a independência da Guiné-Conacri, o Sékou Touré deu ao PAIGC esse bairro.

Não foi nada fácil. Eu tinha o pressentimento que ele poderia desaparecer de um dia para o outro. Os colonialistas estavam tão desesperados que queriam à força apanhar o Cabral. Ele sofreu várias tentativas até que conseguiram a 20 de Janeiro de 1973. Eu tinha consciência disso e tive quase dois anos a tentar convencê-lo e ele não queria aceitar. Estava preocupada e tinha um pressentimento que não seria nada fácil.

Vivia preocupada com a questão da vossa segurança, da segurança, da família?

Vivia muito preocupada, embora estivesse completamente comprometida com o PAIGC, com a escola piloto, com a elaboração de livros. Vivia muito preocupada com a situação.

Como é que vê hoje o legado de Amílcar Cabral em Cabo Verde, aqui, na Guiné-Bissau, em África, 51 anos depois da morte de Amílcar Cabral?

Eu acho que em certos países há muito mais preocupação em seguir o legado de Cabral. Em certas universidades, a obra de Cabral foi traduzida para inglês, para o francês. O falecido Mário Andrade, intelectual angolano que era muito próximo do Cabral, começou a traduzir em francês, agora já está publicado em França e na África do Sul, em inglês, na América, na Europa, em vários países. A obra dele tem sido estudada, traduzida e discutida.

Nós temos um bocado de culpa porque fizemos muito pouco, depois das independências dos nossos país, para manter vivo o pensamento de Cabral, para o divulgar.

Em que sentido é que tem culpa?

No sentido de fazer maior divulgação da obra da Amílcar Cabral. Claro que se criou a Fundação Amílcar Cabral, em Santa Catarina e na Assomada há um liceu Amílcar Cabral. Fazem-se exposições com as obras de Cabral, quanto a mim é pouco.

Se Amílcar Cabral estivesse vivo hoje, o que é que ele diria aos jovens?

Eu penso que eu diria aos jovens que têm que estudar e aprender porque esta terra já não é uma colónia. É uma terra independente e há muito por se fazer.

Alguma história que queira partilhar connosco, que não seja conhecida nas narrativas históricas de Amílcar Cabral da vossa história.

Apesar de todas essas preocupações, ele dava muita atenção aos nossos filhos. Havia uma refeição que ele fazia questão de comermos todos juntos, em geral era o pequeno-almoço porque depois os meninos iam para a escola e eu para o meu trabalho. Por vezes, mandava-me chamar lá da escola, arranjavam um motorista ou ia mesmo buscar-me.

Ele levantava-se muito cedo e tomava um café, um sumo de laranja ou de toranja, havia muita toranja em Conacri, e um cafezinho preto, mas só comia por volta das dez horas. Era nessa altura que vinha buscar-me às aulas e eu ficava furiosa porque tinha de interromper a aula. Tinha de arranjar uma desculpa qualquer aos meninos e ir, porque sua excelência não queria comer sozinho ou queria companhia.

Queria partilhar inquietações?

Exactamente.

De conhecer o seu parecer relativamente a decisões importantes que teria que tomar...

Provavelmente era isso que queria. Gostava e tinha de perceber o meu trabalho, tinha de conhecer tudo sobre o meu trabalho: o que eu fazia lá na escola, tudo o que eu não fazia.

As grandes reuniões do partido eram lá nessa escola piloto. Ficava mais ou menos a cerca de três quilómetros de entre o secretariado do PAIGC, onde vivíamos e onde ficava a Escola Piloto.

Depois também aparecia assim de repente, na escola, logo de manhã cedo, às 10 horas porque a primeira aula que eles tinham era ginástica e ele incentivava os professores a dar atenção à ginástica, não só ao intelecto, mas também ao físico.

Se tivesse oportunidade de rever Amílcar Cabral e contar-lhe no que se transformou o mundo, o que é que lhe contaria?

Teria de aceitar e dizer-lhe que o mundo evoluiu. Temos um outro mundo, temos o mundo já quase sem colónias - que eu saiba que eu me recorde, assim de repente, não há grandes colónias, os países estão independentes.

Claro que há muita coisa ainda por fazer. Há guerras: a guerra ridícula, para mim, da Ucrânia, a guerra da Palestina com Israel, que é outra coisa mais ridícula. Não percebo por que motivo é que não se entendem porque podiam fazer se dois Estados o Estado de Israel, o Estado da Palestina. Porque é que ainda há tanta divisão? Por exemplo, o problema do Vietname ficou resolvido, o problema das colónias portuguesas ficou resolvido. Há pequenos conflitos, mas está muito melhor do que era antigamente.

Valeu a pena lutar?

Valeu a pena, embora com muito sacrifício. Muitos de nós estão com uma saúde completamente estragada e agora é que se estão a revelar os problemas de saúde.

Na casa dos estudantes do Império e das reuniões entre Agostinho Neto, Amílcar Cabral, Mário de Andrade, todos poetas. Consegue explicar essa ligação entre a política e a poesia?

O que é a poesia senão relatos da vida, da vida diária?

Sente que houve justiça em relação ao que aconteceu a Amílcar Cabral? Pede se uma investigação séria, transparente para conhecer as circunstâncias, para perceber realmente o verdadeiro papel dos aliados e inimigos internos e externos de Cabral. Sente hoje que houve justiça?

Não houve justiça nenhuma, mas há tempo alguém falava - creio que foi o Presidente Marcelo - que era preciso fazer uma reparação. Vários políticos foram contra isso. Ele tem uma certa razão. As antigas potências deveriam fazer uma espécie de reparação. Essa história de uma boa cooperação bilateral faz parte, mas é pouco ainda. Acho que é pouco.

E como é que se repara?

Essa, é a questão. Como é que se repara? Se nos sentarmos e pensarmos, analisarmos bem, havemos de encontrar uma maneira.

  continue reading

126 episoder

Alle episoder

×
 
Loading …

Velkommen til Player FM!

Player FM scanner netter for høykvalitets podcaster som du kan nyte nå. Det er den beste podcastappen og fungerer på Android, iPhone og internett. Registrer deg for å synkronisere abonnement på flere enheter.

 

Hurtigreferanseguide

Copyright 2024 | Sitemap | Personvern | Vilkår for bruk | | opphavsrett