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COP29: gastar mais em energias fósseis do que na transição "é suicídio planetário", diz Carlos Nobre

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A Conferência do Clima da ONU em Baku, no Azerbaijão (COP29), chega ao seu último dia marcada por um impasse já esperado na questão do financiamento climático. Todos os anos, o tema costuma ser o que mais trava as negociações nas COPs – sintetiza as discordâncias sobre o quanto cada país está ou não fazendo para combater o aquecimento do planeta.

Lúcia Müzell, da RFI em Paris

Desta vez, o financiamento é o foco da conferência – os quase 200 países reunidos no evento têm a missão de chegar a um novo valor anual de recursos a serem disponibilizados para os países em desenvolvimento promoverem a economia de baixo carbono.

O Acordo de Paris sobre o Clima determina que cabe aos países desenvolvidos viabilizarem esta soma, mas as nações ricas avaliam que chegou a hora de grandes potências emergentes, a começar pela China, maior emissora de gases de efeito estufa, também contribuírem.

“Vamos torcer que eu consiga sair de lá um pouquinho mais otimista. A transição está muito lenta”, desabafa o climatologista Carlos Nobre, reconhecido internacionalmente pelos estudos sobre o aquecimento global e, em especial, sobre as consequências do problema na Amazônia.

Nos anos 1990, ele foi um dos primeiros a teorizar sobre o ponto de não retorno da floresta – quando as condições climáticas terão se alterado a tal ponto que a Amazônia não conseguirá mais se regenerar e entrará em um processo de savanização.

Pouco antes de embarcar para Baku, Nobre conversou por telefone com a RFI sobre como as Conferências do Clima poderiam trazer resultados mais efetivos, tema de uma carta enviada pelo Clube de Roma às Nações Unidas, e da qual ele é um dos poucos brasileiros signatários. Carlos Nobre é e ex-membro do IPCC, o Painel de Especialistas da ONU sobre as Mudanças do Clima e vencedor do Prêmio Nobel da Paz de 2007.

Leia abaixo os principais trechos da entrevista.

RFI: No último fim de semana, o senhor sobrevoou a Amazônia de helicóptero com presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, em uma viagem histórica. Ver de perto os impactos do aquecimento global pode mudar o rumo das coisas, e o rumo das COPs? As pessoas e os líderes precisam mais desse contato com a realidade em campo, para começarem a agir de verdade?

Carlos Nobre: Sem dúvida, quando políticos tão importantes quanto o presidente dos Estados Unidos, o primeiro presidente americano exercendo o mandato que vem para conhecer a Amazônia, vem e vê o que ele viu, é muito importante. É diferente de só ouvir falar dos riscos. Ele viu. Nesse voo, ele viu todas as áreas do lado de Manaus superdesmatadas, degradadas, um monte de floresta queimada, algumas queimadas que aconteceram há poucos dias ou meses. Tudo queimado, árvores mortas. As margens do Rio Negro todas secas. Nós estávamos voando ali em cima da floresta e aparecem duas fumaças de incêndio. Alguém tinha posto fogo algumas horas antes, no meio da floresta.

Eu mostrei para ele o que o aquecimento global está fazendo: a maior seca da história da Amazônia. Falei muito dos prejuízos para a biodiversidade, os riscos para o Rio Negro, que tem mais de 1.000 espécies de peixes. Falei do ano passado, quando o lago Tefé teve a maior temperatura da história, atingiu 41°C e morreram mais de 400 botos e dezenas de milhares de peixes.

Eu acho que o presidente, tendo a oportunidade de ver isso com os olhos, é muito mais importante do que simplesmente alguém, cientistas e políticos, comunicarem sobre isso. Ou até o presidente Lula ou outros presidentes dos países amazônicos.

Os alertas já são dados há décadas, mas a reação da humanidade ao que está acontecendo com o clima acontece a passos muito lentos – e muito lentamente também avançam as COPs. O senhor ainda confia que as Conferências do Clima são a melhor solução para encarar essa realidade, que inclusive está se acelerando mais rapidamente do que a própria ciência previa?

A COP não tem sido a melhor solução. Elas têm sido promessas de salvar o planeta. Promessas. Quando a COP26 em 2021, na Irlanda, em Glasgow, fala: “não podemos deixar o aumento da temperatura passar de 1,5°C, nós temos que rapidamente reduzir as emissões líquidas, zerá-las até 2050”, nada disso foi feito.

Os dados iniciais mostram que em 2024 terá mais alta emissão do que em 2023. Mesmo que a gente entendesse que precisa reduzir quase 50% das emissões até 2030, será que a gente vai conseguir reduzir 50% das emissões em seis anos? E depois zerar? Me parece muito, muito difícil.

Os países bateram o martelo no sentido de que as metas são voluntárias, mas pouquíssimos países estão caminhando nessa direção. O Brasil lançou na COP29 a meta de reduzir até 69% as emissões até 2035, em relação a 2005 – que é muito alta, recorde de mais de 3 bilhões de toneladas. O Brasil e outros países têm começado a debater, mas os desafios são muito maiores. Precisamos realmente zerar as emissões muito antes de 2050. Caso contrário, nós podemos chegar a 2,5°C de aquecimento em 2050. Isso é um ecocídio para o planeta.

Os documentos das Conferências do Clima não têm o poder de obrigar ninguém a cumprir o que é acordado. Como conferências menores e mais frequentes, como está sugerindo o clube de Roma, poderiam ajudar? As COPs se tornaram grandes demais?

Sem dúvida. Eu acho que a gente está entrando numa emergência climática tão grande, com a temperatura tendo atingido já por 16 meses 1,5°C, bateu o recorde de todos os eventos extremos. Isso está acontecendo no planeta todo. Então eu diria que agora vamos ter que ter reuniões muito mais rápidas, muito mais decisivas, com países muito voltados para buscar essas soluções.

Uma medida crucial é a checagem entre as promessas e as ações, a responsabilização daqueles que não estão fazendo a sua parte. Mas no nosso contexto atual de tantas guerras e de enfraquecimento das instituições multilaterais, e com a perspectiva da volta do presidente Donald Trump nos Estados Unidos, a ONU vai ser capaz de cumprir esse papel?

Sem dúvida esse é um desafio imenso. É muito difícil imaginar um sistema para buscar soluções globais que não tenham a ver nada com a ONU. As Nações Unidas têm que ter um papel muito, muito grande. O secretário-geral, António Guterres, tem batido muito forte, muito corretamente. Ele já até falou que o planeta está pegando fogo, que está uma efervescência global, não é mais aquecimento.

Então, é realmente muito importante que a ONU continue. Mas aí, sim, tem o desafio da ONU de conseguir trazer os países que têm maiores compromissos. Mostrar países atingindo metas. Já têm países que estão bem mais próximos de zerar as emissões. Vamos começar a dar um peso muito grande político para esses países.

E o grande desafio é que cerca de 80% das emissões são da queima de combustíveis fósseis para gerar energia. Como convencer o país que mais emite hoje, a China, quase tudo de combustíveis fósseis? Como realmente convencer que esses países acelerem muito a transição energética?

O menor custo é de cerca de US$ 1 trilhão por ano. Um número bem melhor seria US$ 2 tri a 3 trilhões por ano, para fazer uma superaceleração. Daria quase para fazer uma transição energética até 2040, mas o que se gasta nisso não chega nem perto.

Hoje, ainda se gasta muito mais trilhões de dólares por ano para expandir a exploração de combustíveis fósseis. Isso aí é um ecocídio e um suicídio planetário. Se está se gastando mais para manter os combustíveis fósseis do que para fazer a transição energética.

Nesse sentido, o Brasil, país-sede da COP30 no ano que vem, fica numa posição delicada. Será que, até lá, a gente vai ter uma sinalização mais clara sobre os planos do Brasil de continuar abrindo novas frentes de exploração de petróleo?

Nós temos que ter. Senão, o Brasil jamais será o líder da COP 30, como o presidente Lula levou agora no G20, e a ministra Marina Silva tem levado muito corretamente, a ideia de que vamos preservar todos os nossos biomas, salvar a Amazônia do ponto de não retorno.O Brasil não pode ser um país como foram as presidências da COP28 e a COP29, preocupados em aumentar a exploração de petróleo e gás natural.

Quais as suas expectativas para a Conferência de Baku, se é que o senhor tem alguma?

Vamos torcer que eu consiga sair na sexta-feira um pouquinho mais otimista. Eu estive na COP28 e eu não saí otimista, porque os países produtores de combustíveis fósseis só fizeram uma única coisa, que é aparecer a palavra transição energética nos documentos finais.

A primeira vez em 28 COPs, mas só falaram em transição. E a transição está muito lenta. Eles continuam aumentando a exploração de petróleo, carvão, gás natural e aumentando as emissões. Então não adianta, nós temos que ter uma meta de zerar muito rapidamente as emissões.

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A Conferência do Clima da ONU em Baku, no Azerbaijão (COP29), chega ao seu último dia marcada por um impasse já esperado na questão do financiamento climático. Todos os anos, o tema costuma ser o que mais trava as negociações nas COPs – sintetiza as discordâncias sobre o quanto cada país está ou não fazendo para combater o aquecimento do planeta.

Lúcia Müzell, da RFI em Paris

Desta vez, o financiamento é o foco da conferência – os quase 200 países reunidos no evento têm a missão de chegar a um novo valor anual de recursos a serem disponibilizados para os países em desenvolvimento promoverem a economia de baixo carbono.

O Acordo de Paris sobre o Clima determina que cabe aos países desenvolvidos viabilizarem esta soma, mas as nações ricas avaliam que chegou a hora de grandes potências emergentes, a começar pela China, maior emissora de gases de efeito estufa, também contribuírem.

“Vamos torcer que eu consiga sair de lá um pouquinho mais otimista. A transição está muito lenta”, desabafa o climatologista Carlos Nobre, reconhecido internacionalmente pelos estudos sobre o aquecimento global e, em especial, sobre as consequências do problema na Amazônia.

Nos anos 1990, ele foi um dos primeiros a teorizar sobre o ponto de não retorno da floresta – quando as condições climáticas terão se alterado a tal ponto que a Amazônia não conseguirá mais se regenerar e entrará em um processo de savanização.

Pouco antes de embarcar para Baku, Nobre conversou por telefone com a RFI sobre como as Conferências do Clima poderiam trazer resultados mais efetivos, tema de uma carta enviada pelo Clube de Roma às Nações Unidas, e da qual ele é um dos poucos brasileiros signatários. Carlos Nobre é e ex-membro do IPCC, o Painel de Especialistas da ONU sobre as Mudanças do Clima e vencedor do Prêmio Nobel da Paz de 2007.

Leia abaixo os principais trechos da entrevista.

RFI: No último fim de semana, o senhor sobrevoou a Amazônia de helicóptero com presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, em uma viagem histórica. Ver de perto os impactos do aquecimento global pode mudar o rumo das coisas, e o rumo das COPs? As pessoas e os líderes precisam mais desse contato com a realidade em campo, para começarem a agir de verdade?

Carlos Nobre: Sem dúvida, quando políticos tão importantes quanto o presidente dos Estados Unidos, o primeiro presidente americano exercendo o mandato que vem para conhecer a Amazônia, vem e vê o que ele viu, é muito importante. É diferente de só ouvir falar dos riscos. Ele viu. Nesse voo, ele viu todas as áreas do lado de Manaus superdesmatadas, degradadas, um monte de floresta queimada, algumas queimadas que aconteceram há poucos dias ou meses. Tudo queimado, árvores mortas. As margens do Rio Negro todas secas. Nós estávamos voando ali em cima da floresta e aparecem duas fumaças de incêndio. Alguém tinha posto fogo algumas horas antes, no meio da floresta.

Eu mostrei para ele o que o aquecimento global está fazendo: a maior seca da história da Amazônia. Falei muito dos prejuízos para a biodiversidade, os riscos para o Rio Negro, que tem mais de 1.000 espécies de peixes. Falei do ano passado, quando o lago Tefé teve a maior temperatura da história, atingiu 41°C e morreram mais de 400 botos e dezenas de milhares de peixes.

Eu acho que o presidente, tendo a oportunidade de ver isso com os olhos, é muito mais importante do que simplesmente alguém, cientistas e políticos, comunicarem sobre isso. Ou até o presidente Lula ou outros presidentes dos países amazônicos.

Os alertas já são dados há décadas, mas a reação da humanidade ao que está acontecendo com o clima acontece a passos muito lentos – e muito lentamente também avançam as COPs. O senhor ainda confia que as Conferências do Clima são a melhor solução para encarar essa realidade, que inclusive está se acelerando mais rapidamente do que a própria ciência previa?

A COP não tem sido a melhor solução. Elas têm sido promessas de salvar o planeta. Promessas. Quando a COP26 em 2021, na Irlanda, em Glasgow, fala: “não podemos deixar o aumento da temperatura passar de 1,5°C, nós temos que rapidamente reduzir as emissões líquidas, zerá-las até 2050”, nada disso foi feito.

Os dados iniciais mostram que em 2024 terá mais alta emissão do que em 2023. Mesmo que a gente entendesse que precisa reduzir quase 50% das emissões até 2030, será que a gente vai conseguir reduzir 50% das emissões em seis anos? E depois zerar? Me parece muito, muito difícil.

Os países bateram o martelo no sentido de que as metas são voluntárias, mas pouquíssimos países estão caminhando nessa direção. O Brasil lançou na COP29 a meta de reduzir até 69% as emissões até 2035, em relação a 2005 – que é muito alta, recorde de mais de 3 bilhões de toneladas. O Brasil e outros países têm começado a debater, mas os desafios são muito maiores. Precisamos realmente zerar as emissões muito antes de 2050. Caso contrário, nós podemos chegar a 2,5°C de aquecimento em 2050. Isso é um ecocídio para o planeta.

Os documentos das Conferências do Clima não têm o poder de obrigar ninguém a cumprir o que é acordado. Como conferências menores e mais frequentes, como está sugerindo o clube de Roma, poderiam ajudar? As COPs se tornaram grandes demais?

Sem dúvida. Eu acho que a gente está entrando numa emergência climática tão grande, com a temperatura tendo atingido já por 16 meses 1,5°C, bateu o recorde de todos os eventos extremos. Isso está acontecendo no planeta todo. Então eu diria que agora vamos ter que ter reuniões muito mais rápidas, muito mais decisivas, com países muito voltados para buscar essas soluções.

Uma medida crucial é a checagem entre as promessas e as ações, a responsabilização daqueles que não estão fazendo a sua parte. Mas no nosso contexto atual de tantas guerras e de enfraquecimento das instituições multilaterais, e com a perspectiva da volta do presidente Donald Trump nos Estados Unidos, a ONU vai ser capaz de cumprir esse papel?

Sem dúvida esse é um desafio imenso. É muito difícil imaginar um sistema para buscar soluções globais que não tenham a ver nada com a ONU. As Nações Unidas têm que ter um papel muito, muito grande. O secretário-geral, António Guterres, tem batido muito forte, muito corretamente. Ele já até falou que o planeta está pegando fogo, que está uma efervescência global, não é mais aquecimento.

Então, é realmente muito importante que a ONU continue. Mas aí, sim, tem o desafio da ONU de conseguir trazer os países que têm maiores compromissos. Mostrar países atingindo metas. Já têm países que estão bem mais próximos de zerar as emissões. Vamos começar a dar um peso muito grande político para esses países.

E o grande desafio é que cerca de 80% das emissões são da queima de combustíveis fósseis para gerar energia. Como convencer o país que mais emite hoje, a China, quase tudo de combustíveis fósseis? Como realmente convencer que esses países acelerem muito a transição energética?

O menor custo é de cerca de US$ 1 trilhão por ano. Um número bem melhor seria US$ 2 tri a 3 trilhões por ano, para fazer uma superaceleração. Daria quase para fazer uma transição energética até 2040, mas o que se gasta nisso não chega nem perto.

Hoje, ainda se gasta muito mais trilhões de dólares por ano para expandir a exploração de combustíveis fósseis. Isso aí é um ecocídio e um suicídio planetário. Se está se gastando mais para manter os combustíveis fósseis do que para fazer a transição energética.

Nesse sentido, o Brasil, país-sede da COP30 no ano que vem, fica numa posição delicada. Será que, até lá, a gente vai ter uma sinalização mais clara sobre os planos do Brasil de continuar abrindo novas frentes de exploração de petróleo?

Nós temos que ter. Senão, o Brasil jamais será o líder da COP 30, como o presidente Lula levou agora no G20, e a ministra Marina Silva tem levado muito corretamente, a ideia de que vamos preservar todos os nossos biomas, salvar a Amazônia do ponto de não retorno.O Brasil não pode ser um país como foram as presidências da COP28 e a COP29, preocupados em aumentar a exploração de petróleo e gás natural.

Quais as suas expectativas para a Conferência de Baku, se é que o senhor tem alguma?

Vamos torcer que eu consiga sair na sexta-feira um pouquinho mais otimista. Eu estive na COP28 e eu não saí otimista, porque os países produtores de combustíveis fósseis só fizeram uma única coisa, que é aparecer a palavra transição energética nos documentos finais.

A primeira vez em 28 COPs, mas só falaram em transição. E a transição está muito lenta. Eles continuam aumentando a exploração de petróleo, carvão, gás natural e aumentando as emissões. Então não adianta, nós temos que ter uma meta de zerar muito rapidamente as emissões.

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